Esperas por mim!?

O Natal entristece-me mais do que seria suposto. Não faço contagens decrescentes, não faço planos e, na maioria das vezes, nem sequer me dedico aos enfeites e às decorações. Julgo entender a magia mas não me sinto deslumbrada.
Vejo alguns queixos caídos aí desse lado. É normal. Já estava à espera. Mas alegro-me por todos aqueles que não concordarem com estas minhas palavras. É sinal que somos diferentes e que não pensamos todos da maneira que nos querem fazer pensar. Voltemos ao início.

O Natal entristece-me mais do que seria suposto. Lembro-me de quem já não está. Custa-me dizer que me morreram pessoas. Mas é essa a verdade. Lembro-me do que diziam e do que calavam. Do que riam e do que choravam. Lembro-me do que gostavam mais de comer, do tanto que me diziam mesmo que não proferissem palavra alguma. Lembro-me dos lugares vazios e da impossibilidade de os substituir. Lembro-me do embargo que fica no peito de cada vez que, à mesa do Natal, sentimos a falta dos que nos morreram. Dos que não se despediram.

Depois, lembro-me dos postais que já não escrevo porque as tecnologias os quiseram atirar para debaixo do tapete. Lembro-me das pessoas que se afastaram da minha vida e dos meus dias e que já não merecem o meu “feliz natal”. Nem mesmo por cortesia.

Lembro-me dos amigos que se contam pelos dedos de uma mão e pergunto-me por onde andarão todos os outros com quem troquei promessas de futuro e de para-sempres. Lembro-me do que ficou por dizer e parece-me oportuno devolver perdão em vez de sobrolhos franzidos e raivas de estimação.

Lembro-me de todos aqueles que não conheço e para quem o Natal não é, senão, um dia a mais. Ou a menos. Lembro-me dos que achariam ridícula esta minha nostalgia entristecida perante as dificuldades da sua própria vida. Lembro-me dos que lutam lado a lado com uma doença que julgam não conseguir ganhar. Dos que estão à espera de uma notícia que não chega. Dos que têm saudades. Dos que têm esperança no que já não volta. Dos que decidiram não voltar. Dos que largaram os remos e desistiram do rio em que estavam. Dos meninos que continuam em África sem sapatos e sem um prato de comida. Dos que não se lembram que é Natal.

Perante os cenários que as minhas palavras quiseram desenhar, é quase impossível não ficar ligeiramente entorpecido de tristeza. Mas não são estas as últimas palavras que quero deixar nesta crónica.

Quero lembrar-me (quando a tristeza me quiser fazer esquecer) que conheço uma criança que mudou a minha vida. É um rapaz moreno e pequenito. Tem olhos engordados de esperança e de luz. Os cabelos despenteados. Uma camisola velha e rasgada num dos cotovelos. Umas calças largas e rotas num dos joelhos. Ao peito repousa uma cruz de madeira escura. Não sei que idade tem. Disse-me apenas o nome. “Sou o Jesus do presépio”. Disse-lhe, eu, que me parecia um pouco crescido demais para ser o menino Jesus do presépio. Explicou-me que tinha crescido à pressa para poder correr atrás de quem não quer correr atrás dele. Ia numa corrida desenfreada quando passou por mim mas deteve-se. Olhou para dentro dos meus olhos e disse-me como quem perguntava:

- Eu volto. Esperas por mim?

Ana Arrais

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