Mudar de sexo aos 16 anos?

Um jovem de 16 anos pode mudar de sexo e nome no registo civil sem qualquer relatório médico? Se as propostas forem aprovadas, sim. Os deputados da Assembleia da República discutiram ao início da tarde uma proposta de lei do Governo e dois projetos de resolução do Bloco de Esquerda e do PAN sobre «autodeterminação da identidade de género».
(Se clicar em cima de cada um terá os textos das propostas.) Em comum as três propostas estabelecem que pessoas com 16 anos ou mais possam pedir a mudança de sexo e de nome no registo civil. Até agora era preciso um relatório médico e só era permitido a maiores de idade.




Além disso, a proposta de lei do Governo proíbe cirurgias ou intervenções medicamentosas para determinar o sexo a recém-nascidos e crianças que não tenham nascido com sexo definido. A ser aprovada, estas crianças podem escolher o sexo aos 16 anos, se já souberem com qual se identificam.

Eduardo Cabrita, ministro-adjunto do primeiro-ministro, afirma que se trata de «direitos humanos» e «do direito à felicidade de cidadãos que estão entre nós». O ministro defendeu que a proposta de lei do Governo «salvaguarda o direito a que se separe a identificação com género que possa não coincidir com a realidade biológica originária, respeitando o processo de desenvolvimento da personalidade e consciência de género, estabelece que no ensino básico nenhuma criança pode ser discriminada por ser identificada por uma forma diferente do registo civil».

«Não vota nem bebe mas pode mudar de sexo?», questionam PSD e CDS
PSD e CDS criticaram fortemente os projetos e a proposta de lei. Vânia Dias da Silva, do CDS, defendeu que «a questão não se resolve tomando a parte pelo todo». A deputada pediu moderação e deixou algumas questões: «Acham mesmo, entendem mesmo, que um menor tem capacidade de mudar de nome e de sexo de forma praticamente irreversível? Um menor que não pode beber, que não pode fumar, que não pode votar, que não pode conduzir, tem maturidade para decidir isto para toda a vida? O que dirão quando um qualquer criminoso quiser mudar de sexo e de nome e basta ir ao registo civil fazê-lo?»


Pelo PSD, Ângela Guerra defendeu que é preciso «que haja uma prova científica, credível» para a mudança de sexo no registo civil. A deputada social-democrata considerou «ridículo que os filhos possam processar judicialmente os seus pais, como propõe o Bloco de Esquerda». Ângela Guerra questiona: «Os senhores acham que não podem beber, mas acham justo que os seus pais possam ser confrontados com um processo judicial por causa de uma decisão que tem influência em toda a sua vida?!» O projeto de lei do Bloco prevê no artigo 5.º que «em caso de recusa dos representantes legais em efetuar o requerimento aludido no artigo seguinte, o/a menor, representado nos termos do n.º 2 do artigo 1881.º do Código Civil, pode intentar ação judicial, no âmbito do qual o tribunal deverá decidir atendendo aos princípios de autonomia progressiva e do superior interesse da criança constantes da Convenção sobre os Direitos da Criança».

Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, diz que está em causa o «direito à autodeterminação de género como direito humano fundamental». Para esta deputada é preciso deixar de considerar esta questão como um problema médico. «Esta patologização é promotora de estigmatização cruel e desnecessária», afirmou. Por isso, o Bloco defende que a própria pessoa é que sabe qual o seu sexo e «etiquetar como doença é uma crueldade incompreensível».

André Silva, do PAN, lamenta que atualmente seja «um médico a decidir se a pessoa é mais homem ou mais mulher» e defende que é preciso «garantir que é uma decisão individual» e «distinguir a esfera clínica da legal».

À esquerda, pelo Partido Ecologista Os Verdes, Heloísa Apolónia afirmou que o partido votará favoravelmente todas as iniciativas. Mas o PCP foi mais reservado. Rita Rato afirmou que é preciso, em sede de trabalhos na comissão, «ouvir pessoas trans, intersexo e especialistas».

As propostas não foram votadas ainda, mas poderão descer a comissão de especialidade sem votação, por acordo entre as bancadas proponentes. O ministro Eduardo Cabrita apelou mesmo «a todos na especialidade para que encontrem aquilo que é a síntese do debate sobre este tema: mais um passo no respeito dos direitos humanos».

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) emitiu um parecer a proposta do Governo e alertou para a «remissão do ato de identificação pessoal no registo civil para um exercício simples de vontade individual, desconsiderando a sua natureza pública com as consequências daí advenientes, em termos de certeza e de segurança jurídicas». Além disso, o CNECV  questiona a «atribuição aos menores de 16 anos da possibilidade de acesso universal a autodeterminação de género, como simples expressão de vontade individual autónoma, sem acautelar ponderadamente questões associadas ao seu próprio
processo de maturação e desenvolvimento neuropsíquico». Outras das dúvidas levantadas diz respeito a considerar «“reconhecimento da identidade e/ou expressão de género” como “livre autodeterminação do género”, autonomizando esse conceito do conceito de sexo, e a essa interpretação atribuindo, sem sustentação jurídico-constitucional suficiente, valor de "direito humano fundamental"».

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