Um cristão não pode dizer “sou contra homossexuais”


Convém recordar que Jesus Cristo está depois do Antigo Testamento e que, na sua passagem pela terra, deu sempre lugar de destaque às prostitutas, sobretudo a Maria Madalena. E, já agora, não será Mateus 19:12 uma aceitação da naturalidade da homossexualidade? “Alguns eunucos são assim porque nasceram assim”.


As palavras de Gentil Martins têm sido analisadas pelo ângulo da medicina e da ciência. Preocupo-me mais com o ângulo do cristão. Gentil Martins falou como médico mas sobretudo como cristão. E o que me interessa naquela entrevista não é a ideia da homossexualidade enquanto “anomalia”. Como bem recordou um jornalista desta casa, Filipe d’Avillez, a declaração realmente grave de Gentil Martins é outra: “sou completamente contra homossexuais”.

Um cristão pode e deve ter dúvidas sobre a natureza da homossexualidade. Um cristão pode questionar o consenso científico sobre o tema – todos as teorias científicas são apenas isso, teorias que podem e devem ser questionadas; um consenso científico de uma dada época não é o fim da história.

Um cristão pode e deve lutar contra a crescente ditadura do politicamente correto fraturante, que é intolerante e que, acima de tudo, parece sempre disponível para humilhar a religião, o cristianismo, a igreja. Basta recordar o imbecil cartaz do BE do ano passado. Dizem-me que os homossexuais ou os autoproclamados donos da homossexualidade estão indignados com Gentil Martins. Percebo a indignação. Mas então porque é estes homossexuais não dizem nada quando ouvem dizer – todos os dias – que a fé cristã é uma anomalia, um distúrbio de mentes infantis, um abuso infantil que os pais lançam sobre os filhos, uma crença primitiva?

Um cristão, contudo, não pode confundir o combate ao politicamente correto com o regresso à ignorância e ao ódio do passado. Combater o politicamente correto não pode significar voltar a dizer barbaridades sobre negros, mulheres ou gays, como se a luta contra esta intolerância intelectual da pós-modernidade fosse, na verdade, uma máquina do tempo destinada a teletransportar a sociedade para um passado pré-moderno. Gentil Martins tem o direito de não concordar com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tem o direito de pensar que a adoção de crianças por gays é um erro, tem até o direito de não aceitar o atual consenso psiquiátrico sobre a homossexualidade, mas, como cristão, não tem o direito de pensar ou dizer que “é contra homossexuais”. Não consigo pensar em nada mais anticristão do que ser contra um grupo de pessoas.

No máximo, um cristão pode dizer que é contra a prática sexual homossexual. Não pode é nunca dizer que é “contra homossexuais”. Mesmo que a homossexualidade fosse uma “anomalia” inaceitável, o dever do cristão seria sempre o de amar e perdoar essa “anomalia”. Já ouviram falar em perdão e misericórdia?

Indiquem-me, por favor, uma passagem do Novo Testamento em que o Senhor indique que odiar sodomitas é um dever cristão. Não encontram, pois não? Indiquem-me por favor uma passagem em que o Senhor indique que a criação de barreiras entre grupos de seres humanos é um dever cristão. Não encontram, pois não? No máximo, encontram a ideia de que o casamento é entre um homem e uma mulher. Nunca encontrarão nada sobre a exclusão de homossexuais e de prostitutas. Sim, no Levítico e no Deuteronómio, diz-se que é preciso punir prostitutas e sodomitas. Mas convém recordar que Jesus Cristo está depois do Antigo Testamento e que, na sua passagem pela terra, deu sempre lugar de destaque às prostitutas, sobretudo a Maria Madalena. E, já agora, não será Mateus 19:12 uma aceitação da naturalidade da homossexualidade? “Alguns eunucos são assim porque nasceram assim”.

O ódio é o caminho mais fácil, porque cria uma retaguarda de segurança, o “nosso campo” contra o “campo dos outros”. E tem sido triste verificar que muitos cristãos estão a procurar cada vez mais esse refúgio no ódio, na barricada, na guerra cultural contra tudo o que é remotamente gay. É um erro tático e, acima de tudo, uma violação da moral cristã.

Gostava de relembrar que os homossexuais não são todos iguais – não se confunda o mediatismo do “ativista LGBT” com a complexidade dos homossexuais, muitos deles cristãos. Gostava ainda de relembrar que a sexualidade não é a única identidade de uma pessoa.

Para terminar, gostava de relembrar que o homossexual é uma pessoa criada por Deus, sagrada como todas as outras. Por muito que isso custe ao Dr. Gentil Martins e a tantos outros, os homossexuais são amados por Deus. Sei qual é - nesta fase - a contra-argumentação de muitos cristãos: mas, ó Henrique, “eles” (os do politicamente correto fraturante) são intolerantes, não nos respeitam, etc. A minha resposta é muito simples: “eles” têm algumas décadas de vida, nós temos quase 4.000 anos de Revelação. Quando “eles” desaparecerem na roda da história, à semelhança de outras tribos ideológicas dos últimos 4.000 anos, nós continuaremos por cá. Tenham um pouco mais de mais confiança, encaixem o desdém, sigam em frente. “Dar a outra face” não é uma metáfora, é uma ordem.
HENRIQUE RAPOSO

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