«A esperança começa com o "tu". Quando há o "nós", começa uma revolução»

«Como seria belo se, enquanto descobrimos novos planetas longínquos, redescobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam à minha volta! Como seria belo que a fraternidade, esta palavra tão bela e por vezes incómoda, não se reduzisse apenas à assistência social, mas se tornasse atitude de fundo nas escolhas a nível político, económico, científico, nas relações entre as pessoas, entre os povos e os países.»

Estas são algumas das palavras proferidas pelo papa nas conferências TED, dedicadas a comunicar ideias fortes em intervenções de 18 ou menos minutos, que decorrem de 24 a 28 de abril na cidade canadiana de Vancouver e que têm como tema "The future you".
Francisco, que falou a partir do Vaticano, começou por sublinhar que cada pessoa precisa das outras, e que ninguém pode ser uma ilha. Na segunda parte da mensagem salientou que todo o ser humano não tem de ser como Madre Teresa de Calcutá para ser precioso enquanto portador de esperança e de luz, que nunca é vencida pela escuridão. Na terceira e última parte, falou da «revolução da ternura».

Conferência TED, Vaticano-Vancouver, Canadá

Papa Francisco: «Agradou-me muito o título - "The future you" - porque, enquanto olhar para o amanhã, convida já hoje ao diálogo: olhando o futuro, convida a dirigir-se a um "tu". "The future you", o futuro é feito de ti, isto é, é feito de encontros, porque a vida flui através das relações. Muitos anos de vida fizeram-me amadurecer cada vez mais a convicção de que a existência de cada um de nós está ligada à dos outros: a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro. 
Mesmo aquele juízo duro que trago no coração contra o meu irmão ou irmã, aquela ferida não curada, aquele mal não perdoado, aquele rancor que só me fará mal, é um pedaço de guerra que trago dentro de mim, é uma labareda no coração, a extinguir para que não deflagre num incêndio e não deixe cinzas.
Ao encontrar ou escutar doentes que sofrem, migrantes que enfrentam dificuldades tremendas à procura de um futuro melhor, reclusos que trazem o inferno no próprio coração, pessoas, especialmente jovens, que não têm trabalho, acompanha-me muitas vezes uma pergunta: "Porquê eles e não eu?". Também eu nasci numa família de migrantes: o meu pai, os meus avós, como tantos outros italianos, partiram para a Argentina e conheceram a sorte de quem fica sem nada. Também eu poderia ter estado entre os "descartados" de hoje. Porque no meu coração permanece sempre aquela pergunta: "Porquê eles e não eu?".
Gostaria antes de tudo que este encontro nos ajude a recordar que temos todos necessidade uns dos outros, que nenhum de nós é uma ilha, um eu autónomo e independente dos outros, que só podemos construir o futuro juntos, sem excluir ninguém. Muitas vezes não pensamos nisso, mas na realidade tudo está ligado e precisamos de reabilitar as nossas ligações: mesmo aquele juízo duro que trago no coração contra o meu irmão ou irmã, aquela ferida não curada, aquele mal não perdoado, aquele rancor que só me fará mal, é um pedaço de guerra que trago dentro de mim, é uma labareda no coração, a extinguir para que não deflagre num incêndio e não deixe cinzas.
Hoje, muitos, por vários motivos, parecem não acreditar que seja possível um futuro feliz. Estes temores devem ser tomados a sério. Mas não são invencíveis. Podem superar-se, se não nos fecharmos em nós próprios. Porque a felicidade experimenta-se só como dom de harmonia de cada particular com o todo. Mesmo as ciências - sabei-lo melhor que eu - indicam-nos hoje uma compreensão da realidade em que cada coisa existe em ligação, em interação contínua com as outras. 
Disseram-me que nas conferências TED está reunida muita gente criativa. Sim, o amor pede uma resposta criativa, concreta, engenhosa. Não bastam os bons propósitos e as fórmulas rituais, que muitas vezes servem apenas para tranquilizar as consciências. Juntos, ajudemo-nos a recordar que os outros não estatísticas ou números: o outro tem um rosto, o "tu" é sempre um rosto concreto, um irmão de quem assumir o cuidado. E aqui chego à minha segunda mensagem. Como seria belo se ao crescimento das inovações científicas e tecnológicas correspondesse também uma cada vez maior equidade e inclusão social. Como seria belo se, enquanto descobrimos novos planetas longínquos, redescobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam à minha volta! Como seria belo que a fraternidade, esta palavra tão bela e por vezes incómoda, não se reduzisse apenas à assistência social, mas se tornasse atitude de fundo nas escolhas a nível político, económico, científico, nas relações entre as pessoas, entre os povos e os países. Só a educação para a fraternidade, para uma solidariedade concreta, pode superar a "cultura do descarte", que não diz respeito apenas à comida e aos bens, mas antes de tudo às pessoas que são marginalizadas por sistemas tecno-económicos onde no centro, sem nos darmos conta, não está muitas vezes o homem, mas os produtos do homem.
A solidariedade é uma palavra que muitos querem tirar do dicionário. A solidariedade, porém, não é um mecanismo automático, não se pode programar ou ditar: é uma resposta livre que nasce do coração de cada um. Sim, uma resposta livre! Se alguém compreende que a sua vida, mesmo no meio de tantas contradições, é um dom, que o amor é a fonte e o sentido da vida, como pode deter o desejo de fazer o bem aos outros?
Para se ser ativo no bem é preciso memória, é preciso coragem e também criatividade. Disseram-me que nas conferências TED está reunida muita gente criativa. Sim, o amor pede uma resposta criativa, concreta, engenhosa. Não bastam os bons propósitos e as fórmulas rituais, que muitas vezes servem apenas para tranquilizar as consciências. Juntos, ajudemo-nos a recordar que os outros não estatísticas ou números: o outro tem um rosto, o "tu" é sempre um rosto concreto, um irmão de quem assumir o cuidado.
Há uma história que Jesus contou para fazer compreender a diferença entre quem não se incomoda e quem toma cuidado do outro. Provavelmente já ouvistes falar dela: é a parábola do Bom Samaritano. Quando perguntaram a Jesus quem é o meu próximo - isto é, de quem devo assumir o cuidado? -, Ele contou esta história, a história de um homem que os ladrões tinham assaltado, derrubado, ferido e abandonado no caminho. Duas pessoas muito respeitáveis do tempo, um sacerdote e um levita, viram-no, mas passaram sem se deterem. Depois chegou um samaritano, que pertencia a uma etnia desprezada, e este samaritano, à vista daquele homem ferido por terra, não passou além, como os outros, como se nada fosse, mas teve compaixão dele. Comoveu-se e esta compaixão levou-o a realizar gestos muito concretos: derramou óleo e vinho sobre as feridas daquele homem, carregou-o para um albergue e pagou do seu bolso para a sua assistência. 

Que coisa é a ternura? É o amor que se faz próximo e concreto. É um movimento que parte do coração e chega aos olhos, aos ouvidos, às mãos. A ternura é usar os olhos para ver o outro, usar os ouvidos para ouvir o outro, para escutar o grito dos pequenos, dos pobres, de quem teme o futuro; escutar também o grito silencioso da nossa casa comum, da terra contaminada e doente. A ternura significa usar as mãos e o coração para acariciar o outro.

A história do Bom Samaritano é a história da humanidade de hoje. No caminho dos povos há feridas provocadas pelo facto de que no centro está o dinheiro, estão as coisas, não as pessoas. E há muitas vezes o hábito de quem se tem "por bem" de não cuidar dos outros, deixando muitos seres humanos, povos inteiros, para trás, caídos por terra no caminho. Há contudo também dá vida a um mundo novo, assumindo o cuidado pelos outros, suportando inclusive os custos. Com efeito, dizia Madre Teresa de Calcutá, não se pode amar a não ser à própria custa.

 Temos muito que fazer, e devemos fazê-lo juntos. Mas com fazer, com o mal que respiramos? Graças a Deus, nenhum sistema pode anular a abertura ao bem, a compaixão, a capacidade de reagir ao mal que nascem do coração do homem. Agora vós dizeis-me: "Sim, são belas palavras, mas eu não sou o Bom Samaritano nem a Madre Teresa de Calcutá". Em vez deles, cada um de nós é precioso; cada um de nós é insubstituível aos olhos de Deus. Na noite dos conflitos que estamos a atravessar, cada um de nós pode ser uma candeia acesa que recorda que a luz prevalece sobre as trevas, não o contrário.

Para nós, cristãos, o futuro tem um nome, e este nome é esperança. Ter esperança não significa ser otimistas ingénuos que ignoram o drama do mal da humanidade. A esperança é a virtude de um coração que não se fecha na escuridão, não se fecha no passado, não vai vivendo no presente, mas sabe ver o amanhã. A esperança é a porta aberta sobre o futuro. A esperança é uma semente de vida humilde e oculta, que todavia se transforma com o tempo numa grande árvore; é como um fermento invisível, que faz crescer toda a massa, que dá sabor a toda vida. E pode fazer muito, porque basta só uma pequena luz que se alimenta de esperança, e a escuridão deixará de ser completa. Basta um só homem para que haja esperança, e esse homem podes ser tu. Depois há um outro "tu" e um outro "tu", e então tornamo-nos "nós". E quando há o "nós", começa a esperança? Não. A esperança começa com o "tu". Quando há o "nós", começa uma revolução. 

O futuro da humanidade não está só nas mãos dos políticos, dos grandes líderes, das grandes empresas. Sim, a sua responsabilidade é enorme. Mas o futuro está sobretudo nas mãos das pessoas que reconhecem o outro como um "tu" e a si próprias como parte de um "nós".

A terceira e última mensagem que gostaria de partilhar hoje diz precisamente respeito à revolução: a revolução da ternura. Que coisa é a ternura? É o amor que se faz próximo e concreto. É um movimento que parte do coração e chega aos olhos, aos ouvidos, às mãos. A ternura é usar os olhos para ver o outro, usar os ouvidos para ouvir o outro, para escutar o grito dos pequenos, dos pobres, de quem teme o futuro; escutar também o grito silencioso da nossa casa comum, da terra contaminada e doente. A ternura significa usar as mãos e o coração para acariciar o outro. Para assumir o cuidado dele.

A ternura é a linguagem dos mais pequenos, de quem precisa do outro: uma criança afeiçoa-se e conhece o pai e a mãe pelas carícias, pelo olhar, pela voz, pela ternura. Gosto de ouvir quando o pai ou a mãe falam à sua criança, quando também eles se fazem crianças, falando como ela fala, a criança. Esta é a ternura: abaixar-se ao nível do outro. Também Deus se abaixou em Jesus para estar ao nosso nível. Este é o caminho percorrido pelo Bom Samaritano. Este é o caminho percorrido por Jesus, que se abaixou, que atravessou toda a vida do homem com a linguagem concreta do amor. 

Sim, a ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosas e fortes. Não é fraqueza a ternura, é fortaleza. É o caminho da solidariedade, o caminho da humildade. Permiti-me dizê-lo claramente: quanto mais és poderoso, quanto mais as tuas ações têm impacto sobre as pessoas, tanto mais és chamado a ser humilde. Porque de outra forma o poder arruína-te e tu arruinarás os outros. Na Argentina dizia-se que o poder é como o gin bebido em jejum: faz a tua cabeça andar à roda, faz-te embriagar, faz-te perder o equilíbrio e leva-te a fazer mal a ti próprio e aos outros, se não o puseres juntamente com a humildade e a ternura. Com a humildade e o amor concreto, ao contrário, o poder - o mais alto, o mais forte - torna-se serviço e difunde o bem.

O futuro da humanidade não está só nas mãos dos políticos, dos grandes líderes, das grandes empresas. Sim, a sua responsabilidade é enorme. Mas o futuro está sobretudo nas mãos das pessoas que reconhecem o outro como um "tu" e a si próprias como parte de um "nós". Precisamos uns dos outros. E por isso, por favor, recordai-vos também de mim com ternura, para que realize a tarefa que me foi confiada para o bem dos outros, de todos, de todos vós, de todos nós.»

Ver em:  
https://www.ted.com/talks/pope_francis_why_the_only_future_worth_building_includes_everyone?language=pt-br?utm_source=tedcomshare&utm_medium=referral&utm_campaign=tedspread

Papa Francisco
Fonte: Sala de Imprensa da Santa Sé
Trad.: SNPC
Publicado em 26.04.2017

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